23 de jul. de 2010

Juiz usa a Bíblia como fundamento - Parte II

Continuação do tópico anterior (Juiz usa trecho da Bíblia na sentença judicial para rejeitar a aplicação de lei).

Será que a penalização da nudez pública, no Brasil, o único país do mundo em que a cultura dos primeiros brasileiros era a de andarem nus (os índios), não é fruto do dogma cristão imposto pela Igreja Católica?

Óbvio que sim! Já vimos nesse blog que a própria psicanalista da Revista VEJA menciona que do século II até o século IV, os romanos, sem excluir os cristãos, banhavam-se nus em banhos públicos. Que, na Grécia, a prática de esportes sem vestimenta era usual. Quanto ao nosso índio, ele sempre andou nu. A grande surpresa do descobridor ao chegar foi o sexo exposto da índia, que paradoxalmente o liberou. Ainda comenta sobre a Carta de Pero Vaz Caminha, que refere-se assim ao episódio: "…e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tinham nenhuma vergonha."

Como se não bastasse já comentamos que na Espanha a nudez liberada nas ruas de Barcelona não causou nenhum caos (Veremos vídeo com essas imagens, no próximo tópico, para deixar claro que não é nenhuma utopia).

A nudez pública deve ser matéria do Direito Administrativo e não do Direito Penal, pois só tem um nome para a penalização de uma cultura e uma religião que pregam a nudez pública: Inquisição!

Alegar que a sociedade não aceita não é fundamento para a criminalização de uma conduta, pois a sociedade também não aceitava (e nas cidades interioranas até hoje não aceita) que mulheres tenham os mesmos direitos que os homens; não aceitam que negros sejam iguais aos brancos (somente com as leis é que passaram a respeitar realmente os negros, tanto é que hoje não vemos mais piadas sobre negros).

Sobre as mulheres, em cidades do interior, as pessoas mais antigas alegam que mulher que quer trabalhar é porque quer trair o marido. Logo, nesse lugares, deveríamos proteger essa cultura caso não houvesse disposição de leis expressamente protegendo as mulheres?

Digo mais: a sociedade não aceitava e ainda não aceita a igualdade de direitos aos homossexuais, principalmente quanto às manifestações homoafetivas em público! Mas o Poder Judiciário deve respeitar por conta da dignidade da pessoa humana – somente depois de muitos anos de luta é que o Poder Judiciário começou a respeitá-los, mesmo assim não é unanimidade entre os juízes.

Um professor meu – Gustavo Junqueira – dizia o seguinte: no direito penal não podemos aceitar a criminalização de uma conduta SIMPLESMENTE por critérios subjetivos de um Juiz. É que este usa não a sociedade como parâmetro para o julgamento, mas sim ele mesmo. E dizia ainda: qual é o seu referencial para afirmar que uma pessoa é inteligente? Você mesmo! Qual é o seu referencial para afirmar que uma pessoa é metida? Você mesmo! Qual é o seu referencial para afirmar que uma pessoa tem comportamentos vulgares? Você mesmo!

Logo, não pode o Direito Penal intervir na moral da sociedade! Deve-se fazer o que foi feito em Barcelona por muito tempo: se as pessoas querem andar nuas na rua, que andem. Se a sociedade não aceita, então que a pessoa sofra sanção moral e não legal. É assim que deve ser para não impedir o progresso cultural de um país. É a ditadura nos costumes que obrigava as pessoas antigas a usarem cada vez mais roupas. Já hoje usa-se o mínimo de roupas possível – mas ainda não aceitam a nudez pública.

A dança da boquinha da garrafa aceitavam, mas a simples nudez, que é ficar como viemos ao mundo, aí não aceitam! Isso é INQUISIÇÃO!

O brasileiro sabe muito bem o que é o naturismo ao menos este como cultura. Todos sabem das regras e que não é obsceno. A mídia sempre faz reportagens sobre esse tema. Mas:

- Não posso ficar nu numa praia, mesmo que pouco movimentada ou deserta, porque posso ser autuado em flagrante pelo crime de ato obsceno;

- Não posso ficar nu no meu apartamento, com as janelas abertas ou sem cortina, porque se algum vizinho que fica bisbilhotando a vida alheia se sentir incomodado com minha nudez, pode chamar a polícia e eu posso ser autuado em flagrante pelo crime de ato obsceno (até mesmo no quintal da casa não temos a certeza de que podemos ficar nus tranquilamente, já que não raras vezes há naturistas sendo processados por conta disso);

- Não posso dirigir nu porque posso ser autuado em flagrante pelo crime de ato obsceno;

- Não posso andar nu em estradas rurais porque posso ser autuado em flagrante pelo crime de ato obsceno;

- Não posso ficar nu até mesmo num sítio, porque se algum vizinho ou alguém que passa pela estrada ver, poderá chamar a polícia e posso ser autuado em flagrante pelo crime de ato obsceno;

Enfim, há inúmeras situações que fazem o naturista fiel se sentir humilhado.

Para um cristão, essa reivindicação é absurda, assim como sempre foi na história.

Nos conflitos das religiões sempre percebemos isso: aquela que predomina tenta criminalizar a outra que vai contra seus dogmas.

Digo mais: há juízes que não consideram como crime algum ou mesmo nenhum desses casos que acabei de citar. Porém, outros consideram. Que democracia é essa? Quem criminaliza uma conduta é o Juiz? Não é mais a lei?

O próprio Supremo Tribunal Federal já deixou claro que nos crimes de ato obsceno o Estado deve interferir o mínimo possível.

Mas como isso é possível num país onde nesses casos os Juízes criminalizam condutas porque contrariam seus dogmas religiosos? E, como se não bastasse, apenas justificam na sentença que a conduta “fere o pudor público”. Isso não é fundamentação! Discricionariedade não é arbitrariedade! Deve provar QUAL É O DIREITO QUE AS PESSOAS DEIXAM DE EXERCER por conta da nudez pública dos naturistas fiéis. E só para lembrar: não existe o direito de não ver, salvo no sentido de que “se não quer ver, não olhe”. Mas não no sentido de impedir a liberdade das pessoas somente porque não gostam do que estão vendo.



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